sexta-feira, 30 de março de 2012
Os Confins - Parte I
segunda-feira, 19 de março de 2012
O Caçador de Unicórnios - Parte I
Maneiras Engraçadas
Jorge estava sentado em sua confortável poltrona marrom, na aconchegante sala de sua casa. Lia o jornal daquele sábado ora chuvoso, ora ensolarado, que, injustamente, não foi decorado por um arco-íris. A suave melodia que vinha da rua não havia lhe chamado atenção antes de sua mulher, Marta, fazê-lo. Quando parou para prestar atenção, esquecendo as terríveis crises impressas nos papéis que deixou de lado, ouviu uma voz não de todo bela, porém ao menos simpática; cantava sobre uma mãe que colocaria todos os seus medos no seu bebê. Lembrou-se da sua, e a música lhe pareceu boa.
Aproximou-se da janela por onde Marta mirava a praça em frente a sua casa. Um jovem com cabelos longos, soltos e bagunçados, tocava um violão negro com cordas de nylon, sentado em um muro baixo, de lado para o lugar de onde Jorge o via sem ser notado. Passava por ele um suave filete de fumaça oscilante; uma vareta de incenso estava posta em uma fresta entre as pedras do muro.
- O que foi? – Jorge perguntou, alguns segundos após chegar a janela.
- Ta vendo aquele sujeito?
- Sim, que tem?
- To desconfiada dele.
- Hum... Por quê?
- Olha o jeito dele, sozinho na praça, fazendo fumaça essa hora, deve ser um drogado!
- Aquilo é incenso...
- Deve ser pra disfarçar o cheiro da maconha! Te garanto que daqui a pouco ele acende uma porcaria dessas!
- Bom, ainda não vi nada de errado, mas se ele acender, eu chamo a polícia.
O final da tarde estava chegando, o casal ficou quieto por alguns instantes. O vizinho da frente foi até o pátio, deu uma boa olhada com uma cara séria no jovem, que não deu atenção a sua presença e continuou tocando uma canção sobre um amor que continuaria mesmo se o sol se recusasse a brilhar.
Um homem e uma mulher passaram pela calçada ao lado da praça, cada um levando um cão em uma coleira. Olharam o violonista com expressões de simpatia, recebendo um sorriso em retribuição.
Uma senhora de idade avançada despediu-se de outra, que entrou em sua casa, e atravessou a rua, alguns metros antes de passar por onde aquele estranho estava sentado. Depois de tomar certa distância, voltou para o lado por onde seguia antes, movimento cuja intenção foi percebida por todos que compartilhavam daquele quase belo entardecer.
Seis ou quatro minutos se passaram, desde que Jorge deixou sua poltrona até o momento em que aquele sujeito foi embora, tranquilamente, carregando seu violão na mão direita.
Voltando-se novamente para o interior da sala, Jorge disse:
- É, de certa forma, ele não parecia certo.
- Ainda bem que já foi embora, imagina se começa a se juntar essa gente aí na frente!
- Melhor que continue tudo como está. Vou tomar um banho.
Mas, enquanto limpava os dedos dos pés, aquele senhor de meia idade pensava que as coisas nunca são as mesmas por mais de um instante.