sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Foi preciso morrer
sábado, 15 de setembro de 2012
Dos blues em vermelho
sábado, 4 de agosto de 2012
Visões
sexta-feira, 25 de maio de 2012
O Barqueiro - Parte III
O Barqueiro - Parte II
O Barqueiro - Parte I
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Os trilhos
Os olhos
sábado, 14 de abril de 2012
Os Confins - Parte II
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Eu, que era um cara legal
O turno da noite no hospital psiquiátrico era realmente empolgante. Me assustava no começo, quando eu ainda era um residente novato. Mas não demorou muito até que eu começasse a apreciar a beleza daquele trabalho. Tinha lá seus altos e baixos. Algumas delas nem sabia usar um maldito penico, ou simplesmente não queriam fazê-lo, e eu passava horas naquelas alas com um pano encardido e fedendo a mijo, limpando toda a porcaria que aquelas vadias neuróticas faziam. Mas com o tempo eu me acostumei, e passei até a gostar delas. Era interessante trabalhar em uma ala exclusivamente feminina. Uma ou outra até dava pro gasto, e com um pouco de paciência, as vezes até rolava alguma coisa. Vez e outra, quando o dia tinha sido estressante e a vontade batia mesmo, tinha que ser forçado. Mas não tinha problema. A maioria delas já confidenciava tantas histórias bizarras à psiquiatra da casa, que não fazia diferença. Elas embaralhavam tudo na cabeça, e era até “normal” que fantasiassem com um residente que as visitava à noite para tomar-lhes o corpo. Eu duvido que elas conseguissem contar a coisa de uma maneira linear, de qualquer forma. Uma devia dizer que era o pai que visitava ela, outra talvez falasse que estava sendo violentada pelo esfregão da sala de limpeza. Eu era um cara legal, carinhoso na maioria das vezes, exceto quando a psicose delas se tornasse irritantemente forte. Aí eu precisava pegar pesado. Mas elas logo esqueciam, ou pareciam não se importar muito. É que eu era um cara legal.
Aí um dia apareceu uma nova, e ela tinha alguma coisa que me enlouqueceu. Virou minha preferida. Mas não tinha como persuadí-la, e ela tinha umas malditas unhas compridas que não me deixavam chegar perto. Certa vez ela me fez um talho na cara, com as porras daquelas unhas, que me deixou muito puto. Mas eu era um cara legal, e não bati muito nela, nem tentei nada depois daquilo. Eu acho que ela precisava de um tempo. Devia ser por que ela tinha alguém esperando por ela lá fora. Eu a via recebendo cartas e presentes todo tempo, mas nunca uma visita. Não me lembro de qualquer delas que recebesse uma visita. Eu ainda tentava me aproximar, mas seja lá quem fosse que estava lá fora, devia ser um cara legal também, por que ela parecia gostar bastante dele. Ela escrevia pra ele, e isso fazia eu me morder de ciúmes. Me fez tentar com mais afinco. Ela era forte, ela não deixava, ela esperneava, me arranhava com aquelas unhas, chegou até a tentar me morder, e era preciso acalmá-la, colocar ela no lugar dela, e acabava não acontecendo nada.
Mas um dia eu acho que conquistei ela. Eu ia fazer hora extra pela manhã, estava me preparando pra começar o meu turno, e o funcionário responsável por vistoriar as correspondências não havia chegado ainda. Eu vi então, na portaria, uma encomenda para ela. Um envelope fino, achei que não ia ter problema fazer um agrado e entregá-lo a ela, e quando eu entrei na ala e mostrei o envelope, os olhos dela brilharam, agradecidos, maliciosos, e aí eu vi que eu tinha conseguido o que eu queria. Eu ia visitar ela mais tarde, depois que todo o trabalho tivesse aliviado um pouco. E me senti animado, quando pela tarde, ao passar pelo quarto dela, reparei que ela não estava mais com as unhas compridas. Parecia um sinal claro de que ela realmente queria.
No fim do turno eu encontrei ela sentada na cama, me esperando. E ela foi realmente complacente, e se levantou, e sorriu pra mim, e eu sorri de volta, e a abracei, e toquei ela, e me senti como não me sentia com nenhuma outra. Foi aquele sorriso safado, malicioso, a última coisa que eu vi, antes de sentir a fisgada aguda na virilha. Eu olhei para baixo, e a primeira coisa que eu enxerguei foi o sangue esguichando violentamente, enxarcando minha roupa e escorrendo grosso por entre as frestas dos azulejos no chão. E eu não entedi a princípio, até poder ver a mão dela se afastando do meu corpo, e o fino objeto metálico que ela segurava, e que deslizou suavemente de dentro da minha virilha, fazendo mais sangue jorrar. O conteúdo do envelope daquela manhã. Uma lixa de unha. Daquelas pontiagudas. Eu devia ter imaginado.
A minha visão foi ficando turva, e eu fui perdendo meus sentidos. E eu não entendia por que ela tinha feito aquilo, logo comigo. Eu, que era um cara legal.
sábado, 7 de abril de 2012
Encontrada
Quando abriu os olhos tudo estava borrado, mas ela teve a certeza de que algo tinha se movido rapidamente e sumido. Ergueu-se e observou o livro aberto em frente. Tentou lembrar o que estava fazendo, mas não conseguiu. Não lembrava o motivo pelo qual o tinha aberto. Aos poucos tudo ao seu redor foi tomando a devida forma. Observando o feixe fino e longo de luz que entrava pela fresta na janela, pode ver que o pó se movia rapidamente, 'algo estranho aconteceu aqui' constatou. Levantou-se e espreguiçou, sentia-se estranhamente cansada, parecia que estivera dormindo durante horas. Virou-se e encarou a pessoa que estava no espelho, na parede oposta a janela e a mesa de onde se levantara. Sorriu, e teve seu sorriso instantaneamente retribuido. Deu um passo a frente, gesto no qual não foi imitada. Mirou a moça do espelho, que sorriu mais uma vez de forma marota e saiu correndo em direção a porta.
Encontrada
Abriu com cuidado a porta e encontrou-a deitada imóvel, com a cabeça sobre o livro, o braço direito escorava a cabeça, enquanto o esquerdo pendia desajeitado para o lado da mesa. Mesmo assim, com os olhos fechados, podia-se notar que havia vestígios de uma expressão de ansiedade naquele rosto, que nem mesmo as rugas conseguiam camuflar. Estava dormindo sem respirar, um sono sem volta, um sonho eterno. Com algum esforço, conseguiu erguer a cabeça, empurrar o braço, e tomar o livro. Estava na última página, e nesta, apenas um risco que se perdia para além da borda podia ser visto. Passou a foleá-lo, de trás para frente, encontrando um risco em todas as páginas. Faz isso por um longo tempo, mas, o tempo para ele, não era um problema. Encontrou, por fim, a folha onde os riscos terminavam, e também começavam. Leu o que ali estava escrito, e um sorriso torto abriu-se em sua face. "Tola", disse em um sussurro. Com cuidado, arrancou a página que estava lendo, e guardou-a no bolso do seu casaco. Escreveu algo na página seguinte, depois de apagar todos os rabiscos que encontrou até o final. Da mesma forma que o removera, colocou novamente o livro debaixo da cabeça. Soprou no rosto dela, dizendo "acorde". Se desfez no ar um instante antes de os olhos dela abrirem novamente.
Encontrada
Ela abre o livro dos dias e procura por hoje, tem pressa em encontrá-lo. Observa a página em branco, pensa, risca. "Deve haver algo na seguinte", conclui ela. Fecha os olhos, folheia, abre os olhos, nada. Não há nada lá. Risca outra vez, repete o rito consecutivamente. Próxima página, nada, rabisco. Freneticamente, agora, ela passa página por página. O tempo passa, o cansaço aparece, aos poucos vem o sono. Lentamente ela folheia, está chegando ao fim. "Só mais algumas", pensa. Chega, por fim, à última página. Ali, porém, adormece lentamente, fazendo o último risco com o toco do lápis, caindo em seu sono sem volta.
sexta-feira, 30 de março de 2012
Os Confins - Parte I
segunda-feira, 19 de março de 2012
O Caçador de Unicórnios - Parte I
Maneiras Engraçadas
Jorge estava sentado em sua confortável poltrona marrom, na aconchegante sala de sua casa. Lia o jornal daquele sábado ora chuvoso, ora ensolarado, que, injustamente, não foi decorado por um arco-íris. A suave melodia que vinha da rua não havia lhe chamado atenção antes de sua mulher, Marta, fazê-lo. Quando parou para prestar atenção, esquecendo as terríveis crises impressas nos papéis que deixou de lado, ouviu uma voz não de todo bela, porém ao menos simpática; cantava sobre uma mãe que colocaria todos os seus medos no seu bebê. Lembrou-se da sua, e a música lhe pareceu boa.
Aproximou-se da janela por onde Marta mirava a praça em frente a sua casa. Um jovem com cabelos longos, soltos e bagunçados, tocava um violão negro com cordas de nylon, sentado em um muro baixo, de lado para o lugar de onde Jorge o via sem ser notado. Passava por ele um suave filete de fumaça oscilante; uma vareta de incenso estava posta em uma fresta entre as pedras do muro.
- O que foi? – Jorge perguntou, alguns segundos após chegar a janela.
- Ta vendo aquele sujeito?
- Sim, que tem?
- To desconfiada dele.
- Hum... Por quê?
- Olha o jeito dele, sozinho na praça, fazendo fumaça essa hora, deve ser um drogado!
- Aquilo é incenso...
- Deve ser pra disfarçar o cheiro da maconha! Te garanto que daqui a pouco ele acende uma porcaria dessas!
- Bom, ainda não vi nada de errado, mas se ele acender, eu chamo a polícia.
O final da tarde estava chegando, o casal ficou quieto por alguns instantes. O vizinho da frente foi até o pátio, deu uma boa olhada com uma cara séria no jovem, que não deu atenção a sua presença e continuou tocando uma canção sobre um amor que continuaria mesmo se o sol se recusasse a brilhar.
Um homem e uma mulher passaram pela calçada ao lado da praça, cada um levando um cão em uma coleira. Olharam o violonista com expressões de simpatia, recebendo um sorriso em retribuição.
Uma senhora de idade avançada despediu-se de outra, que entrou em sua casa, e atravessou a rua, alguns metros antes de passar por onde aquele estranho estava sentado. Depois de tomar certa distância, voltou para o lado por onde seguia antes, movimento cuja intenção foi percebida por todos que compartilhavam daquele quase belo entardecer.
Seis ou quatro minutos se passaram, desde que Jorge deixou sua poltrona até o momento em que aquele sujeito foi embora, tranquilamente, carregando seu violão na mão direita.
Voltando-se novamente para o interior da sala, Jorge disse:
- É, de certa forma, ele não parecia certo.
- Ainda bem que já foi embora, imagina se começa a se juntar essa gente aí na frente!
- Melhor que continue tudo como está. Vou tomar um banho.
Mas, enquanto limpava os dedos dos pés, aquele senhor de meia idade pensava que as coisas nunca são as mesmas por mais de um instante.