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Jörn se encontrava mais uma vez envolvido
em pensamentos, revivendo minuciosamente os detalhes do sonho macabro que o
impelira naquela busca incerta. Tentava entender o propósito, o plano divino – ou
satânico – que o havia agraciado – ou amaldiçoado – com todas aquelas visões
tão assutadoramente detalhadas e ainda assim tão enigmáticas sobre a jornada em
que se lançara. Estava agora imaginando o que veria lá embaixo. As pistas
deixadas pelo sonho sussuravam em seu interior o pressentimento de que encontraria
naquele lugar toda uma sorte de medos e crenças íntimos seus, e que toda a
preparação mental que fizesse para tentar antecipar e se proteger desses medos,
seria por sua vez antecipada pela natureza sórdida e traiçoeira daqueles confins.
Nunca havia acreditado em um Deus, mas fora criado cristão, e por tal razão,
imaginava que o lugar se apresentaria a ele com a textura e os teores de um mundo
bíblico, regado pela violência e contraditoriedade do Velho Testamento, e pelas
profecias míticas e trovejantes do Apocalipse. Mas tentar prever os eventos que
o cercariam era talvez a coisa mais perigosa a se fazer, pois aquele lugar o
trairía, e, como um tribunal macabro do qual nada pode ser escondido, tudo o
que pensasse seria usado contra ele.
Afastando esses pensamentos, Jörn
se concentrou no que transcorria à sua volta. Não sabia há quanto tempo, mas já
havia abandonado os becos úmidos entre apartamentos degradados, e estava agora
descendo por uma escadaria de pedra, irregular, escorregadia, da qual não
enxergava os degraus, ou o que estivesse o esperando alguns passos abaixo. Podia
apenas ouvir seu trôpego guia descendo pacientemente à sua frente, e sentir o
vento seco e frio que soprava lá de baixo. O tempo agora se tornara uma
entidade completamente amórfica e sem significado. Pelo que bem entendia, podia
estar descendo já há semanas. Mas Jörn seguia, indiferente a todo o absurdo que
o cercava, com sua meta muito bem estabelecida, sua determinação pairando sobre
si, indestrutível. Foi então que seus sentidos se alarmaram com um estímulo, um
odor. O último cheiro que esperava sentir. Se preparara para o fedor da
podridão, da morte, do enxofre. Mas nunca havia esperado que a primeira
sensação olfativa que experimentaria em sua descida ao inferno fosse ser aquela.
O perfume dela.