sábado, 14 de abril de 2012

Os Confins - Parte II


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Jörn se encontrava mais uma vez envolvido em pensamentos, revivendo minuciosamente os detalhes do sonho macabro que o impelira naquela busca incerta. Tentava entender o propósito, o plano divino – ou satânico – que o havia agraciado – ou amaldiçoado – com todas aquelas visões tão assutadoramente detalhadas e ainda assim tão enigmáticas sobre a jornada em que se lançara. Estava agora imaginando o que veria lá embaixo. As pistas deixadas pelo sonho sussuravam em seu interior o pressentimento de que encontraria naquele lugar toda uma sorte de medos e crenças íntimos seus, e que toda a preparação mental que fizesse para tentar antecipar e se proteger desses medos, seria por sua vez antecipada pela natureza sórdida e traiçoeira daqueles confins. Nunca havia acreditado em um Deus, mas fora criado cristão, e por tal razão, imaginava que o lugar se apresentaria a ele com a textura e os teores de um mundo bíblico, regado pela violência e contraditoriedade do Velho Testamento, e pelas profecias míticas e trovejantes do Apocalipse. Mas tentar prever os eventos que o cercariam era talvez a coisa mais perigosa a se fazer, pois aquele lugar o trairía, e, como um tribunal macabro do qual nada pode ser escondido, tudo o que pensasse seria usado contra ele.
Afastando esses pensamentos, Jörn se concentrou no que transcorria à sua volta. Não sabia há quanto tempo, mas já havia abandonado os becos úmidos entre apartamentos degradados, e estava agora descendo por uma escadaria de pedra, irregular, escorregadia, da qual não enxergava os degraus, ou o que estivesse o esperando alguns passos abaixo. Podia apenas ouvir seu trôpego guia descendo pacientemente à sua frente, e sentir o vento seco e frio que soprava lá de baixo. O tempo agora se tornara uma entidade completamente amórfica e sem significado. Pelo que bem entendia, podia estar descendo já há semanas. Mas Jörn seguia, indiferente a todo o absurdo que o cercava, com sua meta muito bem estabelecida, sua determinação pairando sobre si, indestrutível. Foi então que seus sentidos se alarmaram com um estímulo, um odor. O último cheiro que esperava sentir. Se preparara para o fedor da podridão, da morte, do enxofre. Mas nunca havia esperado que a primeira sensação olfativa que experimentaria em sua descida ao inferno fosse ser aquela. O perfume dela.

Um comentário:

  1. Meu Deus, que incríveeeeeeeeeeel!!! Tu escreve muito bem guri, pqp!! Demais

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