segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Rosa


      Rosa vagava pelo mundo com os olhos vendados. As vendas estavam ali desde que Cotidiano as colocara. Tinha a impressão de que foi logo após ter conhecido aquele belo rapaz chamado Discernimento, mas não tinha certeza, já havia se passado muito tempo.
      Embora não lembrasse da sensação de não tê-las, lhe causavam certa angústia. Estava acordada, era evidente! Os outros quatro sentidos lhe diziam que havia um mundo em movimento, talvez ao seu redor, talvez somente à sua frente. Não sabia dizer, já que por vezes cada parte de si lhe mostrava algo diferente.
      Por viver dentre os espinhos, suas pétalas que um dia foram sedosas e perfumadas estavam feias e machucadas. Rosa não acreditava que encontraria o lugar almejado, de terra fértil, macia e sem espinhos onde pudesse fixar seu caule. Talvez em decorrência das tantas luas oscilantes desde que vira pela última vez sua amiga Esperança, que lhe remetia às maravilhas daquele lugar.
      Tateava os muros mas não encontrava a saída. Até que, em um dia especialmente iluminado, os portões de um jardim secreto se abriram diante dela e nele Rosa encontrou a Maravilhosa Fonte dos Desejos a atender seus anseios: "Que caiam as vendas, e que Rosa veja o mundo!".
      Assim, Rosa enxergou a luz. E o clarão ofuscante pouco a pouco foi se transformando em curiosas figuras cercando aquele portal que a levaria até Dimensão Paralela. Naquele lugar, descobriu maravilhosos tesouros cercando uma jóia rara. E ao tocar a jóia lembrou como era sentir paz. E quiz para si a paz, a jóia e os tesouros.
      Ao esquecer suas angústias, pôde ver que o tempo não existia. Estava deliciosamente perdida entre os extremos princípio e fim e sua felicidade era tão plena que não podia ser abalada pelos velhos paradigmas. Nas mãos de       Rosa a jóia que até então se preenchia de vazio, transbordou com seu perfume. E por estarem preenchidas de paz e de perfume, ambas conheceram a plenitude, pois era tudo o que almejavam.
      Mas não há bem que sempre dure, assim diz o ditado. Ao olhar para a frente, Rosa viu despontar no horizonte a silhueta do andarilho. Ele adentrou o portal a passos largos e com o olhar nublado, como quem volta de longe trazendo em suas mãos mais espinhos. Vinha reivindicar as pétalas de Rosa que um dia macias perfumaram seu mundo, porém machucadas pelos espinhos que carregava já não podiam voltar ao jardim onde eram cultivadas. E de desespero, Rosa chorou. Na presença do andarilho sua jóia, agora tão bela e cheia de perfume, voltaria a se preencher de vazio.
      O portal e os portões se fecharam, Rosa sem a vendas foi arrastada de volta aos domínios de Cotidiano. Olhou para suas mãos e percebeu que além da jóia, carregara consigo também um questionamento: doar-se por amor! Assim sua mãe havia lhe ensinado. Mas será que doar-se por amor significava amar a jóia e a completar naquela plenitude? Ou abrir mão de seu amor próprio para entregá-lo ao andarilho e ao mundo que havia ao seu redor?
      Sim! Um mundo ao seu redor! Agora tinha certeza!
      Levantou-se do chão, sacudiu a poeira. Tendo em mãos sua jóia seguiu adiante sem medo. Não importava a direção do andarilho ou a quantidade de espinhos que trouxesse em suas mãos. Sua missão era inundar com seu perfume onde houvesse vazio. E onde há espinhos, não há vazio.

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