Karl deslizava pela rua, à noite,
inconsciente de que caminhava. Os pensamentos abafavam o ruído de seus passos,
gritando dentro dele, jogando em sua cara a culpa pelos seus erros, pelos erros
de outros. Seus olhos estavam alheios a tudo, disfuncionais, e a consciência
projetava em sua mente imagens do passado, que substituiam sua visão. Não
percebeu a figura que se aproximava, de mãos trêmulas e intenção egoísta. O
estranho também não percebeu a inocência no gesto distraído de Karl, que lhe
esbarrara de leve o ombro, quando este se preparava para bradar as palavras que
davam início ao assalto. Karl não via ainda seu agressor, ao passo que ele lhe
entregava à testa o beijo frio do cano de aço, que em desespero impulsivo se
colocou a cuspir chumbo e chamas. Karl só se dera conta do viciado que o
assassinara por medo quando este revirava seu corpo à procura de seus
pertences.
Mas a esta altura Karl já estava
morto, e assim permaneceu por um bom tempo, tempo suficiente para perceber sua
realidade. Desperdiçara os últimos minutos de sua vida em existencialismo desnecessário,
em auto-piedade. Ali parado, sentindo o fluido rubro que vazava de seu lobo
frontal, e aproveitando o tempo infinito de que dispunha, meditou. Decidiu por
fim que viveria um pouco menos preocupado, olhando menos pra dentro de si, e
mais à sua volta. Tateou pelo chão molhado de sangue, juntou os pedaços maiores
de cérebro que pôde encontrar, colocou-os de volta pelo buraco da cabeça e
cobriu com alguns cacos de crânio. Levantou-se e continuou andando, um tanto
mais vivo, e com a cabeça um pouco mais vazia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário